PIXO

 


 

Manifestação visual, movimento de resistência e reivindicação imagética pelo direito à cidade por uma minoria podem ser algumas das definições usadas para o Pixo. O contexto histórico do movimento de pichação amplia a compreensão sobre os processos de urbanização das cidades e a gestão pública, tecendo uma teia de narrativas visuais e orais construídas a partir de seus agentes.  

Eneri, Lala Terrível e Loba Gi são artistas-pichadoras que representam o movimento de pichação da capital paulistana, sob a perspectiva feminina e feminista. Juntas, elas tocam em questões de gênero, reconhecimento e inclusão social, dando voz a uma nova geração de mulheres que querem usar as ruas para se manifestar e lutar pela equidade de gênero no movimento do picho, ganhando visibilidade na ação e apropriação do espaço urbano. 

Elementos fundamentais no picho são os códigos estéticos, que criam um enigma com as letras, compondo um alfabeto próprio. O estilo, que pode ser conhecido como uma assinatura, é utilizado para diferenciar grupos de pichadores ou o pichador, e caracteriza-se por letras retas e alongadas que, muitas vezes, demarcam um território. 

Engana-se quem pensa que a qualidade do rolê é definida somente pela superação da escala gigantesca dos corpos (em ação) ou modalidade da pichação: a fama vem da quantidade de lugares pichados nas paredes e muros da cidade. Muitos e muitas ainda põem a vida em risco em nome do picho, seja na escalada, seja na repressão violenta policial. O medo faz parte da ação e, segundo Eneri, Lala Terrível e Loba Gi, a melhor maneira para enfrentá-lo é se preparar e escolher melhor os rolês .  

 

Eneri


 

“A pichação, para mim, pode ser debatida em diversos campos, como movimento sociocultural, arte, esporte, vandalismo, forma de expressão, etc. Mas a maneira como [a pichação] está inserida no meu dia a dia transgride tudo isso e se infiltra dentro de quem eu sou. Dar as costas pra rua, realizando um ato que nos coloca em uma situação vulnerável, necessita de muita força. Ser uma mulher dentro desse meio (assim como em qualquer outro) é uma conquista. A deambulação em si –– pelo ambiente hostil da grande metrópole que é São Paulo, na maioria das vezes no meio da noite –– já não é um ato simples, requer coragem (ainda mais sendo do sexo feminino, tachado por muitos como um alvo frágil). No final das contas, o machismo que acaba naturalmente sendo reproduzido por homens e mulheres de dentro do movimento (até por ser um meio majoritariamente masculino) é o menor dos problemas encarados. Alguns dos meus maiores (e reais) desafios são a superação da minha mente, meu corpo e meus pensamentos. A cada risco e a cada escalada, vivencio a autossuperação. Isso é o que mais me motiva. É uma prova para mim mesma. Mesmo sabendo que somos capazes, a pichação foi minha maior professora para reafirmar esse sentido próprio.” 


 

Vídeo: Arquivo Eneri


 

Lala Terrível


“O picho representa nada mais do que uma forma de se expressar. Assim como o rap ou o funk, manifesta a voz das maiorias pobres. O picho tem esse lugar, uma forma pesada de protestar e expor nossa insatisfação com o sistema brasileiro. No ano de 2017, comecei firme no picho; foi aí que peguei gosto! Antes disso, tive contato com diversas artes de rua. Mas, desde aquela época, meu principal intuito foi dar destaque e influenciar mais mulheres a terem seu espaço reconhecido nesse amplo movimento que é — em grande parte — machista. A cada dia, surgem mais minas fazendo coisas inacreditáveis, tão bem quanto os caras. São Paulo tem uma estrutura ideal para o picho. É como se a cidade pedisse por isso (pelas marcas das ruas). Apesar de eu ter feito diversas modalidades de pichação, confesso que, sem dúvida, a minha favorita é o rapel, que no caso é o picho no vertical, sempre em proporções gigantes. Eu gosto do impacto e do incômodo que causa nos bico [pessoa muito curiosa que denuncia a ação para a polícia ou prejudica os pichadores com violência física].”


 

Loba Gi


“Enxergo o picho não só como um intercâmbio cultural nas quebradas, mas também como uma forma potente de protesto para expressar aquilo o que penso sobre São Paulo. Ver meus pichos nas paredes da cidade faz com que eu me sinta parte dela e não uma marionete do sistema dos grandes centros urbanos. A capacidade de ocupar os espaços e transgredir vai além do fato em si, porque acontece também numa esfera interna do meu ser. Mesmo que o picho seja, por si só, um protesto (vale lembrar das pichações nos tempos da ditadura!), muitas vezes pinto para desabafar nos muros coisas que estão latentes dentro e fora de mim, tentando equilibrar as duas formas ao mesmo tempo. A vida é muito intensa, mas o rolê arriscado faz com que eu me conecte ainda mais com as camadas mais profundas e selvagens da minha existência como mulher e ser humano. Sem falar da responsabilidade da ação. Tem também a sensação de que a segurança é uma ilusão, misto de espanto e satisfação. Pintar na madrugada, sozinha ou acompanhada, exige uma visão 360º do espaço e um olhar vertical e horizontal. Penso também em tudo o que esse momento irá atrair para minha vida, prestando atenção na sincronicidade do de dentro e do de fora. Outra questão não menos importante é sobre ser mulher e representante do movimento, tal como os homens. Que honra! Essa realidade é exatamente o que somos e buscamos (respeito e igualdade), dentro ou fora do movimento da pichação. É uma ferramenta e instrumento para construirmos um novo mundo.”